terça-feira, outubro 30

O meu amigo Dieter
RESCUE DAWN, de Werner Herzog



RESCUE DAWN é a adaptação para cinema da história de Dieter Dengler, já retratada pelo mesmo Werner Herzog no documentário LITTLE DIETER NEEDS TO FLY. Dengler foi um sobrevivente da guerra do Vietname, que conseguiu escapar de uma prisão na selva do Laos (oops, final revelado!) depois de se despenhar sobre o país.

O filme tem um primeiro plano brilhante, que nos remete para APOCALYPSE NOW, e desde logo nos sugere as diferenças entre estes dois filmes. Depois, somos apresentados a Dieter – Christian Bale – pouco antes da sua primeira corrida de bombardeamento ao serviço da US Air Force. Após o seu azar, Dieter acaba por ser encontrado na selva por uma milícia, que vai ter a cortesia de o torturar antes de o entregar a uma prisão de bambu.

Como prisioneiros já residentes, Bale vai encontrar uma equipa de sobreviventes de outro voo despenhado, dois pilotos e dois carregadores da Air America (transportes de bens da CIA). Apesar das suas provações após a captura, Dieter vai ser uma imagem da saúde à beira destes fantasmas em prisão há cerca de três anos. E, ao contrário do optimista Dieter, estes prisioneiros já se resignaram ao cativeiro, esperando que o conflito não se transforme numa guerra aberta e que a paz os liberte. Deste quarteto de actores secundários há que destacar Steve Zahn, do qual são mais conhecidos papéis desbotados em comédias molengonas. Zahn tem aqui uma prestação equiparável à de Christian Bale. O seu Duane é uma criatura nervosa que já perdeu toda a energia para estar agitada. O personagem parece uma camisola de lã esticada e comida por traças, que abana ao vento e espera que este esteja a soprar de boa feição: quando Dieter planeia a fuga, vai ser o seu primeiro e derradeiro apoiante.

O próprio Christian Bale, que já mais do que provou ser um actor soberbo, consegue com este papel mostrar uma faceta que usa bem menos, e que pode ser resumida com um sorriso.A sua caracterização padece (mais do que deve) da intimidade que há entre Herzog e Dengler. O personagem do último é uma pilha de boas vibrações, quente e carinhoso até ao fim, (quase) nunca tendo uma acção reprovável face a situações monstruosas. Mesmo a tortura não é por ele levado de modo pessoal. Acontece.

É de nota um momento no filme em que Dieter relata uma experiência da sua infância: “O caça vinha direito a nós e eu vi que o piloto me estava a olhar nos olhos. A partir desse momento, o pequeno Dieter precisava de voar”. Ao fim de um certo tempo apercebemo-nos que quem neste momento repete a memória de Dieter é Christian Bale, a criança que no EMPIRE OF THE SUN, do Spielberg, acena a um piloto americano que passa por ele num caça. Uma piscadela de olho que tem lugar num filme baseado em factos verídicos.

O final terá demasiada sacarose, mas perdoa-se. Afinal, o amigo do realizador acabou de escapar da morte certa.


Vão vê-lo com: Pessoas para quem o copo está sempre meio-cheio

1 comentário:

Luis Pitta (r) disse...

Nao concordo com essa visao do Apocalypse agora do inicio. O filme apesar de ir remexer em espaços temporais já muito gastos (guerra do vietname) tem uma soberba dose de originalidade e é anti-heroi (acrescente-se anti-hollywood) e genuino. Valeu!