domingo, setembro 23

O Esquartejamento de GRINDHOUSE Parte 2
DEATH PROOF, de Quentin Tarantino



Ler Parte 1

Enquanto que PLANET TERROR foi um assalto ao mundo grindhouse, uma paródia sem distanciamento, DEATH PROOF é uma outra espécie de homenagem. Tarantino criou aqui não uma série de referências mas antes uma verdadeira reflexão sobre dois temas: filmes slasher e filmes de vingança.

A principal queixa de quem viu DEATH PROOF prende-se com o ritmo e com a falta de acção durante a maior parte da duração do filme. Mas o que acontece é que isso era mesmo um sintoma dos filmes grindhouse. Com o baixo orçamento que tinham, simplesmente não conseguiam financiar mais do que uma ou duas sequências de acção. Excertos dessas sequências perfaziam a quase totalidade da trailer, mas noventa por cento do filme eram personagens a conversar, normalmente em salas parcamente decoradas.

DEATH PROOF procura assim ser um filme de género autêntico, e logo ao princípio deparamo-nos com cenas intermináveis de diálogo entre um grupo de três amigas. Aqui Tarantino parece ter-se contido e reprimido alguns dos seus instintos no que toca a diálogo, o que é louvável. Ao serviço do filme, as personagens não debitam referências pop-culturais ou entram em discussões Seinfeldianas. São apenas pessoas normais num dia como tantos outros das vidas delas, com conversas banais. Isto tem um resultado soberbo, que é o de lhes atribuir inocência. Não estamos perante personagens gigantes, bem trabalhadas e únicas. Estamos perante pessoas como as que conhecemos no nosso quotidiano. Há uma maior identificação da audiência com estas pessoas do que com um gangster tocado por um acto divino ou com uma mercenária que regressa da morte para se vingar.

É na altura em que já consideramos estas pessoas nossas conhecidas que aparece o verdadeiro protagonista do filme e mais um papel lendário para Kurt Russell, Stuntman Mike. Stuntman Mike é um falhado, um homem a envelhecer, com uma carreira insignificante que já deu de si, e sem nenhum tipo de jeito a engatar miúdas. É uma personagem fascinante de tão remendada que é.

Quando a violência chegou, foi possivelmente o ponto mais alto da minha experiência em cinemas este ano. Não demora mais de três minutos, mas é executada de uma forma tão brilhante e ao mesmo tempo sádica que se torna inesquecível. Uma colisão entre dois carros é-nos apresentada com replays do ponto de vista de cada um dos prestes-a-ser cadáveres num dos carros. A partir do momento em que reparamos que o que estamos a ver é um replay, já sabemos que vem aí um por cada passageiro. E essa expectativa torna a experiência ainda mais cruel. Brilhante.


"Pessoal, não olhem agora mas o Snake Plissken está a seguir-nos"


Após esta sequência e após um interlúdio para acalmar a tensão, somos apresentados a um segundo grupo de raparigas. Há alguns paralelos com o primeiro grupo, mas será vão compará-los. Mesmo sendo submetidos a mais um período de adaptação às pessoas. Mesmo aparecendo Stuntman Mike com toda a sua (agora) ameaça justamente quando as conhecemos. Isto porque, após uns momentos de tensão cortante à antiga (às vezes é mais simples criá-la sem usar demasiados efeitos), as presas voltam-se contra o seu caçador. A partir daqui é girl power por toda a duração de uma belíssima perseguição automóvel.

Uma perseguição que nos leva a uma conclusão onde justiça é administrada, onde o vilão tem espaço para mostrar o quão pequeno é, no fundo.
DEATH PROOF é algo de bastante novo, feito em moldes antigos.

Vale mesmo a pena ver, e ainda está em algumas salas no país. Com alguma sorte vão poder vê-lo a seguir à estreia de PLANET TERROR.


Vão vê-lo com: Maus condutores, seguidores de telenovelas da Globo

1 comentário:

Luis Pitta (r) disse...

Finalmente consegui ver este "á prova de morte!" Revisitamos um abrilhantado Grindhouse com longos diálogos realmente é verdade, mas mesmo assim muito interessantes. Sobre Kurt Russell, gostei, mas acho que podia ter feito ainda mais e melhor. Fica para a proxima (sequela!)

Pelos vistos os filmes originais traziam uns 4 trailers falsos... infelizmente só consegui ver o Machete que por sinal está fabuloso. Pelo que por ai se diz vai haver 1 ou 2 deles a passar mesmo a filme!

Gostei tambem de ver aquele poster gigante da BB no quarto da Julia da Selva! Lembram-se?

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"This car is 100% death proof, but to get the benefit of it honey, you really need to be sitting in my seat!"